Monday, October 09, 2006
Estirador.

Três meses de Inverno, três meses de frio. Aproximadamente noventa noites de cacau, chá quente e lareira. Há na nossa sala tanto de nós.
Fotografias: saltam do baú desarrumadas. Eles a preto e branco, tu, a sépia, linda, cores de sempre, perdidas. Foste tu que complicaste as almofadas, concerteza. Baralhaste-as todas. Atiraste algumas ao chão. Acendeste a lareira só pelo capricho. Agora estendes-te ao comprido na chaise long vermelha e rois uma maça entediada. Ficas sempre assim quando tenho muito trabalho. As poltronas do xadrez ja te viram, hoje, mais do que uma vez, brincar com as pecitas de marfim encardido. Estás insuportavelmente, deliciosamente mimada. Finjo-me compenetrado só para te ter ainda mais desconcertada. Tu sentes. Levantas-te, aproximas-te dois passos, arriscas duas notas passageiras no piano, calcas as teclas com os dedos, mas eu não olho. De repente Piazzola, dás duas piruetas de tango e pegas no xaile que estava nas costas do sofá maior. És agora a melhor bailarina do mundo e ris. Eu vejo-Te. Confesso que nunca a minha camisa nos ficou tão bem.
É tudo tão nosso. Noites quentes-frias daquele sempre nosso Inverno.
Fotografias: vou rasgá-las todas. Apetece-me. Vou deixar aquela que colocaste em cima da lareira, estou bonita. Roubei a tua camisa, fica-me bem. Tu tentas não olhar. Quanto tempo mais aguentarás? Os teus olhos devem estar baços, cegos e brancos, as tuas costas, doridas. Vou trepar por esses riscos e traços até chegar junto à ponta do teu nariz. Vou partir esses óculos que insistes em empurrar periodicamente com o indicador direito ! Vou-me sentar em cima dessa mesa de medos, em cima desses simbolos de papel, até os perderes. Faço caretas. Das-me um beijo? Vou colar chiclet debaixo desta mesa alta e risca-la com marcadores... Ufa.. Anda dançar comigo! De vez em quando, noto-te um olho curioso, que espreita. Pronto, parti as tuas canecas uma por uma no chão, e agora? Gritas comigo. Não gosto quando fazes isso. Vou lá para fora apanhar chuva doente. Vou cronometrar os teus 5 minutos de falso orgulho, até já.
Aquela chavena de cha mudou-nos para sempre, não foi? .... Não creio.


Esa wrote on 2:57 PM.